Volumen 34 No. 4 (Octubre-Diciembre) 2025, pp. 77-95
ISSN 1315-0006. Depósito legal pp 199202zu44
DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.16950320
Nem tudo que reluz é ouro: a história do garimpo na Amazônia brasileira
Italo Bernardes Almeida*, Maria T. Gomes Lopes**, Jennifer Souza Tomaz*** y Caroline de Souza Bezerra****
Resumo
A atividade mineradora na Amazônia não se desenvolveu por acaso ou em decorrência da descoberta de valiosas jazidas minerais. Ela foi consequência de fenômenos globais como a Segunda Guerra Mundial e a crise do petróleo, além de escolhas políticas nacionais, como a ocupação da Amazônia durante o governo Vargas e o governo militar. Por meio de uma revisão bibliográfica abordando questões relacionadas à história da região Norte e da mineração em diferentes áreas da Amazônia, esta pesquisa objetivou compreender como a atividade mineradora chegou e se desenvolveu na Amazônia brasileira, destacando o contexto político e social que determinou o desenvolvimento dessa atividade nos estados do Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. Os resultados indicaram que, após a descoberta e popularização do ouro amazônico, uma grande e duradoura migração de pessoas motivada por crises econômicas e incentivos governamentais tornou a mineração um novo nicho produtivo. A mineração desenvolveu tecnologias próprias que permitiram a expansão das áreas de mineração e a produtividade da atividade, que antes era contestada pelo governo e uma das principais fontes de receita oficial em alguns dos estados analisados. O desenvolvimento de novas tecnologias, como jatos d’água e dragas de mineração, também foi identificado como marcos tanto para a expansão das áreas de mineração quanto para as mudanças nas estruturas sociais.
Palavras-chave: Mineração; História; Política Nacional; Migração; Tecnologia; Desenvolvimento Econômico
*Universidade Federal do Amazonas. Manaus, Brasil. ORCID: 0009-0008-9700-5604, E-mail: italob.almeida@gmail.com
**Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Brasil. OECID: 0000-0003-1988-7126, E-mail: mtglopes@ufam.edu.br
***Universidade Federal do Amazonas. Manaus, Brasil. ORCID: 0000-0001-6612-2172 , E-mail: jennifertomaz14@gmail.com
****Universidade Federal do Amazonas. Manaus, Brasil. ORCID: 0000-0002-0380-4181, E-mail: carolinebezerra7@gmail.com
Recibido: 19/04/2025 Aceptado: 05/07/2025
Not everything that shines is gold: the history of mining in the brazilian Amazon
Abstract
Mining activity in the Amazon did not develop by chance or by the chance encounter of valuable mineral deposits. On the contrary, it resulted from global phenomena such as the second great war and the oil crisis and national political choices such as the occupation of the Amazon in the Vargas government and the military government. Through a literature review that deals with issues related to the history of the northern region and mining in different areas of the Amazon, this research aimed to understand how the mining activity arrived and developed in the Brazilian Amazon pointing out the economic, political and social context that were determinants for the development of this activity in the states of Amazonas, Pará, Rondônia and Roraima. The results indicated that after the discovery and popularization of Amazonian gold a large and lasting migration of people motivated by economic crises and government incentives made mining a new productive niche developing its own technologies that allowed to expand the exploitation areas and the productivity of the making this activity, which the government previously opposed, one of the main sources of official income in some of the states analyzed. It was also identified that the development of new technologies such as water jets and mining dredges are milestones for both the expansion of mining areas and changes in social structures.
Keywords: Mining; History; National Policy, Migration, Technology, Economic Development
Introdução
A região amazônica é reconhecida mundialmente por suas belezas naturais e biodiversidade. A floresta Amazônica é a maior e mais diversa área contínua de floresta tropical do planeta, abrigando também a maior bacia hidrográfica e uma população indígena que já ultrapassa 700.000 habitantes (Martins et al., 2022; Dias, 2019). No entanto, há muitos anos, parte da população brasileira enxerga a região como uma fonte de riquezas a serem exploradas, com inúmeras reservas, especialmente minerais valiosos, ainda intocadas.
Por essa razão, a Amazônia foi cenário de importantes conflitos sociais na história do Brasil, como o caso de Serra Pelada, no interior do estado do Pará, ocorrido na década de 1980 e as ofensivas contra os indígenas da etnia Yanomami, no interior do estado de Roraima, nas décadas de 1990 e início da década de 2020. Ao longo da sua história a Amazônia foi alvo de projetos de exploração e ocupação que resultaram na descoberta de jazidas de metais, principalmente o ouro que em algumas áreas, era extraído de forma rudimentar devido à sua fácil acessibilidade. Assim, a região tornou-se um destino frequente para migrantes em busca de enriquecimento por meio do garimpo chegando atualmente, a contar com cerca de 35.000 garimpeiros somente na região do Tapajós, no Pará (Júnior-Bandeira e Carvalho, 2023).
Ao longo do tempo, a história da mineração aurífera na Amazônia está intrinsecamente associada a processos de desestruturação socioambiental. Cada fase de expansão garimpeira analisada — desde o ciclo colonial até os grandes projetos do século XXI — implicou não apenas transformações econômicas, mas também impactos profundos e persistentes sobre os ecossistemas fluviais, os modos de vida tradicionais e os direitos territoriais dos povos indígenas. A análise histórica, portanto, não pode ser desvinculada de suas consequências estruturais, que incluem contaminação por mercúrio, violência armada e perda de territórios ancestrais.
A região aqui abordada corresponde à chamada Amazônia Legal, composta por nove estados brasileiros: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Essa delimitação territorial é adotada oficialmente pelo Estado brasileiro desde 1953 para fins de planejamento econômico e integração regional.
A exploração de ouro na Amazônia não é recente, tampouco alcançou seu estágio atual por acaso. Ao contrário, seu desenvolvimento intensificou-se nos últimos 70 anos, com a participação ativa dos governos estaduais e federal, sendo, em alguns momentos, considerada como uma solução para que o Brasil enfrentasse crises econômicas internacionais. Historicamente, o garimpo tem sido a principal atividade econômica em muitos municípios da Amazônia, levando alguns deles a alguns surgir ou a transformarem-se demográfica e culturalmente devido à atividade garimpeira, como é o caso de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso (Júnior-Bandeira e Carvalho, 2023). Conhecer os fatores relacionados ao garimpo é essencial para compreender o contexto em que essa atividade está inserida e sua relevância para a região.
A região amazônica é reconhecida mundialmente por suas belezas naturais e biodiversidade. No entanto, há décadas, parte da população brasileira enxerga a região como uma fonte de riquezas a serem exploradas, com inúmeras reservas, especialmente minerais valiosos, ainda intocadas. Essa percepção levou a importantes conflitos sociais e à consolidação do garimpo como uma das principais atividades econômicas na região, com efeitos expressivos sobre o meio ambiente e as populações tradicionais. O garimpo se insere em um contexto histórico de frentes de expansão econômica e militar, como analisado por Santos (2008) e Bertha Becker (2005), sendo também atravessado por lógicas do capitalismo extrativo, conforme apontado por David Harvey (2004).
Nesta pesquisa, adotamos como referencial teórico as contribuições de Santos (2008), Becker (2005), Harvey (2004) e Sassen (2006), cujas categorias analíticas sobre território, capitalismo periférico, acumulação por espoliação e informalidade orientam a compreensão das dinâmicas garimpeiras na Amazônia.
Neste estudo, o conceito de desenvolvimento é compreendido de forma multidimensional, articulando crescimento econômico, transformações sociais e impactos territoriais, conforme propõem Wasques (2021) e Roque et al. (2004). A política de ocupação da Amazônia é tratada como uma estratégia estatal de integração territorial, segundo Becker (2005). A atividade garimpeira também é analisada a partir das tecnologias de produção aurífera, que reconfiguraram as formas de apropriação dos territórios minerados, como discutido por Veiga et al. (2002) e Mathis (1995).
Com base nessas perspectivas, esta pesquisa tem como objetivo geral compreender como a atividade garimpeira chegou e se desenvolveu na Amazônia brasileira, a partir da análise de seus condicionantes políticos, econômicos e sociais. Os objetivos específicos são: (i) identificar os primeiros focos de garimpo na região amazônica; (ii) analisar os principais atores sociais e institucionais envolvidos na sua consolidação; (iii) avaliar as políticas públicas que incentivaram ou regulamentaram a atividade; e (iv) discutir os efeitos do garimpo sobre o desenvolvimento regional e a organização territorial.
Método
A pesquisa adota abordagem qualitativa e historiográfica, conforme Chartier (1990) e Santos (2010), baseada em revisão bibliográfica crítica de estudos de caso nos estados de Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. Os materiais analisados incluem artigos acadêmicos, relatórios institucionais e documentos técnicos obtidos em bases oficiais. O critério de seleção das fontes privilegiou a diversidade de enfoques (histórico, político, ambiental e econômico), bem como a atualidade e relevância regional. Optou-se por enfatizar também elementos subjetivos, como narrativas históricas e disputas simbólicas, fundamentais para compreender a construção social dos territórios garimpeiros e seus significados locais.
Este estudo parte do entendimento de que o garimpo na Amazônia constitui uma expressão contemporânea da acumulação por espoliação (Harvey, 2004), na qual territórios periféricos são apropriados por agentes extrativos em contextos de vulnerabilidade institucional e fragilidade regulatória. Essa categoria teórica orienta a análise das dinâmicas econômicas e territoriais que atravessam os estados da Amazônia Legal.
Resultados e Discussão
Os resultados foram organizados em quatro eixos principais de análise: (1) fatores econômicos e políticos; (2) atores envolvidos; (3) políticas públicas associadas; e (4) institucionalidade e agentes regionais/internacionais. Esses eixos serão explorados ao longo da análise dos estados selecionados.
A chegada do garimpo à região norte do Brasil
A expansão histórica da atividade garimpeira não ocorreu sem graves consequências socioambientais. A prática de garimpo em leitos fluviais provocou o assoreamento de rios, contaminação por mercúrio e destruição de cadeias alimentares, comprometendo atividades de subsistência como a pesca e o consumo de água potável. Estudos recentes apontam que os rios Tapajós e Amazonas apresentaram índices de mercúrio muito acima dos níveis permitidos, impactando diretamente a saúde pública e o modo de vida das populações ribeirinhas e indígenas (Fearnside, 2022; Sousa et al., 2024). A Terra Indígena Yanomami, em Roraima, foi invadida por mais de 50 mil garimpeiros, gerando surtos de desnutrição, malária e denúncias de assassinatos, como documentado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI, 2023).
Os primeiros registros de descobertas de ouro na Amazônia datam de 1716, como resultado das expedições dos bandeirantes a serviço da Coroa Portuguesa, que buscaram minas de ouro no rio Caxipó-Mirim, um afluente do rio Cuiabá. Outras descobertas ocorreram cerca de quinze depois, às margens dos rios Sararé, Galera e Corumbiara, afluentes do Rio Guaporé, na bacia do Rio Madeira (Linhares et al., 2017).
Entre os anos 1721 e 1765, a mineração foi intensificada, o que resultou na primeira grande migração garimpeira para o rio Guaporé, onde, no auge da atividade, estima-se que eram extraídos 1.150 kg de ouro por ano (Linhares et al., 2017). Em 1826, Luis d’Alincourt documentou pela primeira vez a descoberta de fagulhas de ouro no Rio Madeira (D’Alincourt, 1975).
Séculos depois, durante os dois períodos em que governou o Brasil (1930-1945 e 1951-1954), o presidente Getúlio Vargas adotou medidas visando ao desenvolvimento da economia da região amazônica. Em outubro de 1940, Vargas proferiu o conhecido discurso conhecido “Rio Amazonas”, no qual apresentou planos para a região. Nesse discurso, Vargas afirmou que a região seria um centro de engrandecimento nacional, cuja chave para o sucesso estaria no binômio povoamento e fixação do homem à terra, que, segundo ele, até então, era deserta, desconhecida e isolada. Essa exortação despertou no Brasil a consciência nacional sobre a Amazônia esquecida (Magalhaes, 2006).
Para viabilizar os recursos necessários a essa empreitada, o governo brasileiro firmou um acordo com os Estados Unidos, no qual o Brasil se comprometeria a fornecer látex, aos Estados Unidos, uma vez que as fontes da Malásia haviam sido tomadas pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Em contrapartida, os Estados Unidos se comprometeriam a desenvolver ações para o crescimento econômico da Amazônia a longo prazo, incluindo o financiamento da produção de borracha, de pesquisas e programas de transporte.
Como resultado desse acordo, foram criadas diversas iniciativas na região Norte do Brasil, como o Banco de Crédito da Borracha (posteriormente Banco da Amazônia); o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), a Colônia Agrícola Nacional do Amazonas, localizada na margem esquerda do Rio Solimões, e a Colônia Agrícola Nacional do Pará, no município de Monte Alegre (Magalhães, 2006). Além disso, o aeroporto de Ponta Pelada em Manaus e a ampliação do aeroporto de Val-de-Cans em Belém também foram implementados. Também foram criados os territórios federais do Amapá, do Rio Branco (atual Roraima) e do Guaporé (Atual Rondônia).
Com a ascensão do regime militar no Brasil (1964-1988), o plano de povoamento da Amazônia passou a ser visto como uma medida para garantir a soberania nacional. Nesse contexto, foram criados projetos de infraestrutura, colonização e de extração de madeira e minerais. As rodovias foram consideradas o eixo principal de desenvolvimento, e ao longo delas, o INCRA (Instituto de Colonização e Reforma Agrária) coordenou projetos de colonização para incentivar a ocupação por camponeses provenientes de outras regiões do país. Glebas de terra foram distribuídas ao longo dessas rodovias, com o objetivo de iniciar a ocupação rural. O governo militar se preocupava com a ocupação da Amazônia, considerada um “vazio demográfico”. Com o slogan “integrar para não entregar”, a política de ocupação se baseou na construção de rodovias e na distribuição de pequenas propriedades rurais (Margarit, 2013).
Durante esse período, garimpeiros que exploravam terras em um seringal no vale do Rio Machadinho, na bacia do Rio Madeira, descobriram jazidas de cassiterita (minério de estanho), metal que, na época, tinha grande valor de mercado. As informações sobre as descobertas de jazidas de ouro se espalharam rapidamente, resultando na chegada massiva de indivíduos à região em busca de explorar áreas adjacentes. Até o início da década de 1970, estimava-se que cerca de 10.000 garimpeiros estivessem atuando nas minas de Rondônia. Nas localidades de Abunã, Jaci Paraná e Mutum Paraná, aproximadamente 8.000 garimpeiros estavam envolvidos na atividade. Entre 1979 e 1980, o então Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) autorizou oficialmente a exploração artesanal de ouro, após a realização de prospecções que indicaram a existência de depósitos secundários substanciais do metal (Linhares et al., 2017).
Naquele período, o Brasil enfrentava uma grave crise econômica, em parte devido ao aumento do preço do petróleo pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e à política de endividamento externo e desvalorização do salário-mínimo. O governo militar, inflexível em sua política econômica, baseada no arrocho salarial e na má distribuição de renda como forma de enfrentar a crise, optou pelo endividamento, contraindo novos empréstimos internacionais. Acreditava-se que isso aumentaria as exportações e, consequentemente, a arrecadação de impostos. No entanto, essa estratégia não se revelou eficaz, e a crise se aprofundou, persistindo até os anos 1990 (Linhares et al., 2017).
Em Rondônia a política de mineração não visava ao desenvolvimento da economia regional ou ao povoamento da fronteira, tampouco à melhoria da qualidade de vida da população local. A verdadeira motivação da intensa atividade garimpeira foi o plano do governo para aumentar as reservas de ouro do Banco Central Brasileiro (BCB), com o intuito de aliviar as dívidas contraídas pelo governo militar. Como parte dessa estratégia, foram criadas sete reservas garimpeiras, nas quais a garimpagem teria prioridade sobre a mineração industrial. Essas reservas foram distribuídas entre Rondônia (duas reservas), Roraima (uma reserva), Pará (três reservas) e Mato Grosso (uma reserva) e foram responsáveis por intensificar a migração de trabalhadores para a Amazônia (Veiga et al., 2002).
Paralelamente ao garimpo, a mineração industrial na Amazônia começa a tomar corpo em meados da década de 1970, com projetos em três polos diferentes: Amapá, Trombetas e Carajás. O governo federal criou o programa Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia – Polamazônia (Monteiro, 2005). No estado do Amapá, dois projetos foram implementados: um de pelotização do manganês e outro de extração do caulim, com investimentos norte-americanos. No polo Trombetas, iniciou-se a exploração das minas de bauxita no município de Oriximiná, no Pará, com capital canadense. Por fim, o projeto de Carajás envolvia a produção de minério de ferro e foi assumido pela Companhia Vale do Rio Doce, uma empresa estatal brasileira.
O desenvolvimento do garimpo por estado
Os registros históricos apontam para o início do garimpo de ouro na Amazônia na década de 1950, ocorrendo simultaneamente nos estados do Pará, Rondônia e Roraima, com o Amazonas apresentando descobertas posteriores. Cada estado desenvolveu uma dinâmica específica influenciada por condições locais e regionais. Um fator comum a todos foi o fim do segundo ciclo da borracha, que incentivou trabalhadores e proprietário de seringais a explorarem novos recursos, como o ouro.
A economia global também influenciou o garimpo amazônico. A valorização do ouro no final da década de 1970 impulsionou a exploração mineral, enquanto a crise econômica no Brasil nos anos 1980, com inflação e desemprego, levou muitos a buscarem oportunidades na Amazônia (Santos, 2002; Gaspar, 1990). A descoberta de ouro em Serra Pelada serviu de estímulo adicional, atraindo uma população urbana em crise (Kotscho, 1984).
O governo militar, por meio do Projeto de Integração Nacional, incentivou a ocupação da Amazônia, abrindo estradas e promovendo a colonização com a distribuição de lotes de terra. Contudo, a baixa aptidão agrícola da região e a falta de apoio técnico-financeiro levaram muitos colonos a se voltarem para o garimpo. Rondônia e Pará lideraram essa atividade, seguidos por Roraima e, por último pelo Amazonas no século XXI. Atualmente, o garimpo na Amazônia apresenta evidências de envolvimento de organizações criminosas, que inserem ouro ilegal no mercado por meio da ocultação de sua origem.
As atividades criminosas no garimpo amazônico podem ser classificadas em três categorias, sendo classificadas com: Crime Organizado Verde que são grupos especializados em crimes ambientais; Crime Oportunístico Verde que são organizações criminosas de outras áreas que aproveitam as oportunidades do garimpo ilegal; e o Crime Camuflado Verde que são empresas usadas para disfarçar atividades ilegais e lavar ativos ilícitos (Van Uhn e Nijman, 2022).
Serão abordados, a seguir, os eventos e contextos específicos de cada estado.
O garimpo no Pará
O Pará é hoje o estado com maior intensidade de atividade garimpeira no Brasil, destacando-se a bacia do Rio Tapajós e cidades como Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, cujas economias são fortemente vinculadas ao garimpo. Desde o século XVIII, o ouro é explorado no Rio Tapajós, mas a mineração intensificou-se no final da década de 1950, com o declínio da economia da borracha (Figura 1).
Figura 1. Mapa de alertas de garimpo em 2022 no Pará.
Fonte: Dados da pesquisa (2024)
No caso do Pará, observa-se que a ausência de uma política pública estruturada para o garimpo permitiu a ascensão de redes informais de extração e comercialização de ouro, com forte presença de atravessadores e de organizações criminosas. As instituições locais, como prefeituras e órgãos de fiscalização, atuaram de forma limitada ou cooptada, facilitando a consolidação de uma economia paralela, fora do controle estatal. Essa conjuntura revela um modelo de governança extrativista baseado em acumulação por espoliação e informalidade institucionalizada.
O Pará é hoje o estado com maior intensidade de atividade garimpeira no Brasil, destacando-se a bacia do Rio Tapajós e cidades como Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, cujas economias são fortemente vinculadas ao garimpo.
O declínio da borracha e a posterior valorização do ouro internacionalmente coincidiram com a crise econômica brasileira dos anos 1980, marcada pela inflação, desvalorização salarial e desemprego. Nesse contexto, o garimpo se tornou uma alternativa de sobrevivência e ascensão econômica. Conforme Harvey (2004) e Sassen (2006), o capitalismo periférico tende a fomentar frentes de expansão predatória em momentos de retração econômica, o que explica a migração em massa para regiões como o Tapajós.
A partir dos anos 1970, a mecanização do setor e a introdução de balsas, dragas e sistemas de financiamento informal permitiram a intensificação da exploração mineral, com o surgimento de uma nova cadeia de atores: pequenos empresários, donos de máquinas, atravessadores e operadores logísticos. Já nas décadas de 2000 e 2010, a atuação de organizações criminosas sofisticadas se consolidou, com controle sobre as rotas de escoamento, mecanismos de lavagem de dinheiro e aquisição de ouro sem origem certificada.
O Pará tornou-se, assim, um exemplo de como políticas públicas insuficientes e instituições frágeis permitiram a consolidação de uma economia extrativa que escapa ao controle estatal. A ANM e o IBAMA têm atuação limitada na região, e as estruturas de fiscalização não acompanham a velocidade da expansão garimpeira.
Atualmente, o garimpo no Pará sofre uma profunda transformação, com a atuação de organizações criminosas que adquirem ouro ilegal, ocultam sua origem e o inserem no mercado. Essas organizações, com estruturas empresariais, incentivam um garimpo cada vez mais agressivo, utilizando maquinário pesado e capital externo. O garimpeiro tradicional, neste cenário, atua mais como empregado, enquanto o setor se industrializa, com um perfil mais empresarial e voltado à exportação.
O garimpo em Rondônia
Segundo Linhares et al. (2017), a mineração em Rondônia começou em 1950, com a descoberta de uma jazida de cassiterita no Território Federal do Guaporé. Com a confirmação oficial da presença do mineral pelo engenheiro Frederico Hoespken em 1952, houve grande interesse devido ao alto valor da cassiterita no mercado internacional. Isso motivou muitos trabalhadores locais a buscarem o minério em suas terras, o que atraiu migração para a região e reverteu sua estagnação econômica.
A exploração da cassiterita, também conhecida como minério de estanho, durou cerca de 15 anos, até que, no início dos anos 1970, a mineração artesanal foi proibida pelo Ministério de Minas e Energia, permitindo apenas operações industriais (Santos, 2002). No fim da década de 1970, a queda nos preços do estanho, causada pela crise do petróleo, reduziu a produção e levou muitos mineradores a migrarem para outros locais, com parte voltando-se ao ouro, que valorizava na época.
A intensificação da mineração de ouro no final dos anos 1980 resultou de fatores econômicos e políticos, como a alta do ouro no mercado internacional — de US$31 a onça troy em 1973 para US$850 em 1981. Outro fator foi a pavimentação das rodovias BR-364 entre Rio Branco (AC) e o Distrito Federal e BR-425 que liga Vila do Abunã (RO) a Guajará-Mirim (RO), que facilitaram o acesso a novas áreas de mineração (Linhares et al., 2017).
As conexões rodoviárias foram fundamentais para transportar o ouro das áreas de produção aos principais centros do Brasil para beneficiamento e exportação, além de facilitar o fluxo de suprimentos, combustíveis e pessoal para os garimpos. Dessa forma, as cidades de Guajará-Mirim e Porto Velho em Rondônia tornaram-se centros logísticos regionais do garimpo.
No final dos anos 1970 e início dos 1980, foi estabelecida a Reserva Garimpeira, que priorizou a mineração artesanal em detrimento da industrial e incentivou a formação de cooperativas de garimpeiros. Inspirado nas reservas extrativistas de Chico Mendes, este modelo permitiu a extração imediata das jazidas sem a necessidade de pesquisas prévias, reconhecendo o garimpo como atividade tradicional e legalizada (Martins, 2008).
Segundo Linhares et al. (2017), mais de 30 toneladas de ouro foram produzidas na Reserva Garimpeira do Rio Madeira. O governo Federal incentivou a expansão da mineração artesanal para evitar a evasão de capitais para empresas estrangeiras que detinham a maioria das concessões minerais, relacionadas a países de onde o Brasil havia obtido empréstimos significativos.
Além disso, avanços tecnológicos, assim como no Pará, o avanço tecnológico foi de grande importância para o aumento da produtividade e produção das minas de ouro em Rondônia. A introdução das balsas de garimpo no início dos anos 1980, aumentaram a produtividade das minas de ouro em Rondônia. Essas balsas eram embarcações simples, de madeira, de 6 a 7 metros, sobre a qual era instalado motores de 10 a 32 HP1 movidos a gasolina ou diesel, permitiam extração diretamente no leito do Rio Madeira (Linhares et al., 2017).
Os motores das balsas impulsionavam bombas de sucção que extraíam minério do fundo do rio, auxiliados por mergulhadores que posicionavam o duto na área a ser explorada. Esse trabalho era exaustivo e arriscado, envolvendo cerca de cinco horas de mergulho contínuo e uma equipe com operador de máquina e um trabalhador para retirar o rejeito das caixas concentradoras (Linhares et al., 2017). Havia alta mortalidade entre os mergulhadores, devido a acidentes variados como soterramento, falhas no sistema de ar e descompressão rápida, aumentando os riscos da atividade (Veiga et al., 2002).
Em 1985, a garimpagem com balsas no Rio Madeira atingiu seu pico, com uma produção anual de mais de 3.500 quilos de ouro e aproximadamente 10 mil trabalhadores em 800 balsas espalhadas pela região. Nesse período, o uso de dragas foi autorizado, tornando-se rapidamente predominante. As dragas eram maiores, com motores de 500 HP, e eliminavam a necessidade de mergulhadores, aumentando a segurança e produtividade. Esse processo de mecanização levou o garimpo de Rondônia ao auge entre 1987 e 1992, com as dragas como principal tecnologia de extração de ouro no Rio Madeira (Linhares et al., 2017).
Atualmente, o garimpo no Rio Madeira é realizado com o uso intensivo de dragas, destacando-se como principal ponto de extração de ouro em Rondônia. O mapa apresenta a localização dos alertas de mineração (em amarelo) no estado, o limite dos municípios e os principais cursos d’agua da região (em azul). Porém, o Rio Madeira, onde está a maior parte da atividade garimpeira do estado é praticamente encoberto pelos pontos amarelos de alertas de mineração (Figura 2).
Figura 2. Mapa de alertas de garimpo em 2022 em Rondônia.
Fonte: Dados da pesquisa (2024)
Em Rondônia, a política federal de incentivo ao garimpo artesanal, somada ao objetivo estratégico de ampliar as reservas de ouro do Banco Central, configurou um modelo estatal de estímulo à informalidade regulada. Os atores envolvidos incluíram cooperativas de garimpeiros, investidores privados e o próprio Estado, por meio do DNPM e do INCRA. A ausência de planejamento ambiental e a precariedade das condições de trabalho revelam uma lógica de exploração de curto prazo, típica de frentes de expansão econômica com baixa institucionalidade.
Importa destacar que os interesses estatais desempenham papel central na regulação ambígua da atividade garimpeira. Muitas das permissões de lavra, suspensões e fiscalizações seletivas refletem disputas de poder entre elites políticas locais, interesses empresariais e estratégias geopolíticas de controle territorial. A ilegalidade, nesse contexto, não é ausência de Estado, mas uma forma de atuação seletiva que privilegia determinados grupos e criminaliza outros.
Assim como nos outros estados, Rondônia também é palco da atuação de Organizações Criminosas que adquirem o ouro produzido ilegalmente para posterior ocultação de origem e inserção no mercado formal. As relações sociais no garimpo parecem ter se tornado mais verticalizadas nos últimos anos com a definição muito clara das funções de cada trabalhador como o garimpeiro, o gerente, o patrão, o investidor entre outros.
Garimpo em Roraima
Em Roraima, o garimpo levou mais tempo para ganhar espaço, com o “período dourado” iniciando apenas no final dos anos 1970. No entanto, o movimento começou já em 1930, com a instalação de garimpos de diamantes na serra do Tepequém, próxima à fronteira com a Venezuela. A primeira expedição financiada por um proprietário de terras revelou a presença de diamantes em 1931, e a exploração se intensificou cinco anos depois (Rodrigues e Vieira, 2012).
Tepequém tornou-se um dos maiores produtores de diamantes a céu aberto, atraindo milhares de pessoas. Entre 1944 e 1947, cerca de 1.500 habitantes viviam ali em busca de diamantes. Segundo Magalhães (2006), a primeira atividade econômica relevante em Roraima foi a pecuária, que abastecia com carne e couro os seringais do Amazonas. A garimpagem teve seus primeiros registros em 1917, nos rios Maú e Cotingo, expandindo-se nos anos 1930 para os rios Suapi, Quinô e Tepequém (Santos et al., 2021).
Com a crise da borracha em 1920, o Amazonas perdeu seu principal mercado, afetando a pecuária em Roraima. A partir de 1936, o garimpo de ouro e diamantes aumentou, impulsionado por notícias de riqueza. Isso atraiu migrantes e redirecionou parte da mão de obra antes dedicada à pecuária para o garimpo. Em 1943, a produção de diamantes já representava quase 60% da economia do então Território do Rio Branco (Magalhães, 2006; Rodrigues e Vieira, 2012).
Segundo Magalhães (2006), entre 1966 e 1979, a mineração em Roraima concentrava-se nos rios Quinô, Cotingo, Maú, Tepequém e na Serra do Surucucu. Em 1975, houve uma breve extração de cassiterita na Serra do Surucucu, interrompida após oito meses por uma operação da Polícia Federal, pois a atividade ocorria em Terra Indígena. Nos demais garimpos, o foco principal era o diamante, mas o ouro começou a ser extraído como subproduto devido à adaptação dos equipamentos de mineração.
O “período dourado” de Roraima iniciou-se no final de 1979 com o garimpo Santa Rosa, que já contava com 5.000 trabalhadores em 1980. Nessa fase, as primeiras dragas e balsas começaram a operar nos rios e áreas montanhosas, como os rios Uraricoera, Apiaú, Mucajaí, e as serras Couto de Magalhães e Surucucu. A produção de ouro aumentou rapidamente, com 4 toneladas em 1988 e 8 toneladas em 1989, mas caiu para 5,7 toneladas em 1990 e seguiu em declínio. Entre os fatores que explicam essa queda, Magalhães (2006) destaca a demarcação da Terra Indígena Yanomami em 1991, que resultou na remoção de garimpeiros e destruição de pistas de pouso pela intervenção estatal.
A atividade de garimpo em Roraima persistiu ao longo das décadas, apesar de restrições e operações. Nos anos 1980, o governo estadual incentivou a imigração para expandir a população, promovendo políticas de colonização que incluíam a distribuição de terras, a criação de núcleos urbanos e a construção ou melhoria de estradas, como as rodovias BR-210 e BR-174, que ligam Boa Vista ao interior e a Manaus. Nesse período, o garimpo atraiu principalmente garimpeiros itinerantes, mobilizados por rumores de novas jazidas (Nogueira et al., 2013). Essa atividade trouxe pessoas de várias regiões do Brasil e de países vizinhos, como Guiana e Suriname, onde o garimpo também é comum.
Roraima experimentou então um rápido crescimento populacional, com taxas anuais superiores a 9%. No entanto, a demarcação da Terra Indígena Yanomami em 1992 e o consequente fechamento de garimpos reduziram essa expansão na segunda metade da década de 1990. Magalhães (2006) aponta que, ainda em 1999, Roraima possuía reservas minerais significativas, indicando que o garimpo ilegal continuaria sendo um desafio. Em 2023, as precárias condições sanitárias nas comunidades indígenas Yanomami, fortemente impactadas pela presença de garimpeiros, receberam atenção nacional.
A partir de dados de localização alertas de garimpo disponíveis no Programa Brasil Mais (SCCON, 2023) foi produzido um mapa dos garimpos em atividade (pontos em amarelo) no estado de Roraima ao longo do ano de 2022, que, como pode ser observado no mapa, estiveram concentrados na Terra Indígena Yanomami (destacado em vermelho) (Figura 3).
A presença de garimpeiros traz uma série de conflitos relacionados à contaminação das águas utilizadas pelos indígenas para alimentação, desequilíbrio da fauna que é parte importante da dieta dos indígenas, ameaças a servidores públicos da área da saúde inviabilizando o tratamento dos indígenas entre outros (CIR, 2021).
Figura 3. Mapa de alertas de garimpo em 2022 em Roraima.
Fonte: Dados da pesquisa (2024)
Roraima apresenta uma dinâmica em que a fragilidade institucional e a proximidade com áreas de fronteira favoreceram a infiltração de grupos armados e facções criminosas. O garimpo tornou-se uma atividade altamente violenta, marcada por conflitos com comunidades indígenas e omissão do Estado. As políticas públicas estaduais, historicamente voltadas à colonização, não foram capazes de estruturar alternativas sustentáveis, e as instituições federais enfrentam dificuldades operacionais e políticas para manter a legalidade nos territórios minerados.
Nos últimos anos, o garimpo em Roraima tem se tornado cada vez mais violento, impulsionado pela chegada de facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), vindo de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. Essas facções transformaram a dinâmica do garimpo, passando a controlar áreas estratégicas, como pistas de pouso, portos, acesso à internet, além de atividades ilícitas como venda de drogas e prostituição. Com o envolvimento das facções, os garimpeiros estão agora armados com fuzis de alto calibre e, em várias ocasiões, entram em confronto com agentes estatais e comunidades indígenas. Esse novo cenário substitui o perfil do garimpeiro tradicional, focado em ganho pessoal, por uma estrutura organizada de crime, marcada por disputas territoriais, eliminação de rivais e uma cadeia de comando centralizada (PAR, 2021; UOL, 2023a; UOL, 2023b;). A situação em Roraima lembra a do México, onde cartéis do narcotráfico competem pelo controle de territórios de mineração ilegal e de cultivo agrícola para exportação, expandindo suas fontes de lucro (Herrera e Martinez-Alvarez, 2022).
O garimpo no Amazonas
Os três estados mencionados iniciaram as atividades de mineração industrial e garimpo quase ao mesmo tempo, impulsionados por fatores externos, como investimentos governamentais em infraestrutura, políticas de ocupação e incentivo à migração. Em todas as regiões — seja no Rio Madeira (Rondônia), no Tapajós (Pará) ou em Roraima — o desenvolvimento tecnológico seguiu um padrão semelhante, começando pelo garimpo manual e evoluindo para o uso de bombas, jatos d’água, balsas e, posteriormente, dragas. Essas técnicas possibilitaram o avanço sobre os desafios naturais da floresta para a exploração.
Porém, ao que tudo indica, a mineração no estado do Amazonas é recente e continua a expandir seus territórios. Atualmente o Amazonas apresenta baixa ocupação humana, com os núcleos de povoamento concentrados na faixa do Rio Solimões e Madeira, principalmente e outros núcleos mais esparsos no Rio Negro como São Gabriel da Cachoeira e Santa Isabel do Rio Negro.
Conforme apresentado anteriormente, o uso de dragas na mineração se popularizou em Rondônia e no Pará no início dos anos 1990, enquanto levou mais tempo para se estabelecer no Amazonas. Santos et al. (2009) indicam que há pouca informação sobre o potencial mineral do Amazonas, o que pode ser atribuído a fatores ambientais que dificultam o acesso às áreas de exploração. Além disso, a mineração não é uma prioridade no estado, sendo uma atividade que demanda investimentos de alto risco, enfrenta dificuldades de financiamento e crédito, além do aumento das áreas protegidas e de um processo de licenciamento ambiental altamente restritivo.
Em outros trabalhos publicados as reservas minerais da Amazônia são discutidas com foco nos estados de Rondônia, Roraima e Pará, enquanto o Amazonas é mencionado apenas de forma secundária. Estudos mais recentes, como o de Santos (2002), trazem mapas indicando a localização de depósitos e minas e descrevem os minerais mais relevantes. O mapa reflete o conhecimento brasileiro sobre as reservas minerais da Amazônia no início dos anos 2000 (Figura 4), e aponta a presença de ouro apenas no extremo noroeste do Amazonas, próximo à tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela.
Figura 4 . Pré-cambriano na Amazônia: principais depósitos minerais.
Fonte: Santos, 2002
Com exceção da área leste do Amazonas, próxima à fronteira com o Pará, as outras regiões apresentam garimpo nos leitos dos rios, exigindo o uso de dragas para a extração do ouro. Esse fato pode explicar a falta de dados oficiais sobre as reservas de ouro no estado, já que as investigações geológicas nessas áreas requerem grandes investimentos e apresentam alta complexidade, tornando-as inviáveis. Da mesma forma, a exploração nessas condições só se tornou possível com a entrada de grandes capitais para financiar dragas, cujo custo pode chegar a dois milhões e meio de reais. No entanto, esse capital geralmente vem de investidores localizados em outras partes do país, como o Sudeste ou o Centro-Oeste.
Apesar de o Amazonas apresentar algumas áreas de intensa atividade garimpeira, dados públicos da Agência Nacional de Mineração2 (ANM) indicam que existem poucas Permissões de Lavra nessa modalidade concedidas pela ANM, todas nos municípios de Humaitá, Borba, Novo Aripuanã, São Paulo de Olivença e Jutaí, o que permite concluir que ao menos parte das lavras no Amazonas ocorre de maneira ilegal, especificamente aquelas localizadas em municípios diferentes desses onde há autorização da ANM.
O mapa foi obtido a partir da localização de alertas de mineração (em amarelo) detectados pela plataforma Brasil M.A.I.S. ao longo do ano de 2022. Além dos alertas, o mapa apresenta a hidrografia principal da região (em azul) e os limites dos municípios do estado do Amazonas (em marrom) (Figura 5). A partir da posição dos alertas é possível identificar que em 2022 a mineração de garimpo no Amazonas é predominante em quatro regiões distintas. Na região leste, próximo à divisa com o estado do Pará, no que seria a continuidade da Província Tapajós; ao longo de todo o Rio Madeira; na região oeste do estado, na bacia do Rio Jutaí, no município de mesmo nome e na região de fronteira com a Colômbia nos rios Puruê, Juami, afluentes do Rio Japurá, no município de mesmo nome, e Rio Puretê, no município de Santo Antônio do Içá.
Figura 5. Mapa de alertas de garimpo em 2022 no Amazonas.
Fonte: Dados da pesquisa (2024)
A trajetória do garimpo artesanal com uso de tecnologias simplificadas como balsas e dragas contrasta com os grandes projetos de mineração industrial, como Carajás e Trombetas, que operam com alta tecnologia e controle estatal ou corporativo. Enquanto o garimpo impulsiona economias locais de forma desorganizada e informal, a mineração industrial segue diretrizes mais rígidas de controle ambiental e produção em larga escala. Essa comparação é fundamental para entender os diferentes impactos sociais, econômicos e territoriais de cada modelo produtivo.
As práticas de uso do território por diferentes atores evidenciam lógicas divergentes. O Estado e o setor empresarial, em geral, operam com visão extrativista voltada à acumulação, enquanto povos indígenas e comunidades tradicionais têm formas próprias de ocupação e manejo do território, baseadas em reciprocidade, preservação ambiental e ciclos de subsistência. A imposição de projetos minerários sobre esses territórios tradicionalmente ocupados acirra conflitos e revela a assimetria de poder entre os grupos sociais envolvidos.
No Amazonas, a escassez de infraestrutura, a concentração fundiária e as restrições ambientais contribuíram para uma configuração do garimpo dependente de capital externo e altamente concentrado. A ausência de políticas públicas específicas e de uma atuação eficaz da ANM resultou em um vazio institucional que foi preenchido por agentes privados, frequentemente ligados à economia ilegal. Isso contribuiu para a intensificação dos impactos socioambientais e para a expansão do garimpo em áreas sensíveis e de difícil monitoramento.
O garimpo no Amazonas passou por mudanças em sua estrutura social, assim como ocorreu em outros estados, com a atuação de grupos criminosos voltados para a obtenção de ouro de forma ilegal, que posteriormente é introduzido no mercado legal por meio de métodos de dissimulação da sua origem. Em 2018, investigações da Polícia Federal revelaram que um conjunto de empresas de São Paulo e Minas Gerais havia criado um esquema de fraudes fiscais para esconder a origem ilegal do ouro proveniente de garimpos não autorizados no estado do Amazonas e na região Norte. Nesse esquema, é a organização criminosa que gera a demanda e facilita a comercialização do ouro ilegal extraído na Amazônia, oferecendo-o a preços muito inferiores aos praticados no mercado internacional (Rodrigues e Vieira, 2012).
Conclusões
O garimpo na Amazônia, enquanto atividade econômica inserida em contextos de vulnerabilidade social e ausência de políticas públicas efetivas, reflete as contradições estruturais do modelo de desenvolvimento imposto à região. Não se trata de uma transformação positiva homogênea, mas de um processo marcado por exclusão, informalidade e conflito. As dinâmicas garimpeiras, longe de representar um vetor de inclusão, muitas vezes operam como forças desorganizadoras da vida coletiva, fragilizando o tecido social e comprometendo o futuro das comunidades locais.
Em síntese, os objetivos específicos foram plenamente contemplados: (i) os primeiros focos de garimpo foram identificados em registros históricos desde o século XVIII; (ii) os atores sociais e institucionais foram analisados nos contextos estaduais, com destaque para a atuação de cooperativas, facções e órgãos públicos; (iii) as políticas públicas de incentivo e regulação foram abordadas em sua ambiguidade; e (iv) os efeitos territoriais e sociais da atividade foram discutidos com base nas especificidades regionais e nos conflitos contemporâneos.
A intensificação do garimpo foi marcada por avanços tecnológicos que tornaram viável a extração em áreas profundas e remotas, enquanto as políticas de incentivo à migração e ocupação incentivaram o crescimento populacional e a presença de pequenos investidores na região. Contudo, a recente inserção de organizações criminosas, impulsionada pela demanda por ouro no mercado internacional, trouxe novas complexidades, exacerbando problemas de degradação ambiental, conflitos com populações indígenas e aumento da violência.
Dessa forma, o garimpo na Amazônia exemplifica as contradições de um desenvolvimento periférico, seletivo e sustentado por formas extrativistas e políticas de incentivo que desconsideram os custos socioambientais e humanos. Embora tenha havido crescimento econômico localizado, impulsionado por mecanismos informais e, muitas vezes, ilícitos de exploração mineral, esse processo não consolidou bases sustentáveis de inclusão social, infraestrutura ou soberania territorial. Trata-se de um modelo que aprofunda desigualdades e fragilidades institucionais, levantando questões fundamentais: desenvolvimento para quem? Quais atores se beneficiam dessa economia e quais são silenciados ou excluídos?
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